MULHERES AO VOLANTE: ESTATÍSTICAS INDICAM QUE ELAS DIRIGEM MELHOR
Ainda é comum ouvir que mulher e direção não combinam. Muita gente acredita que as mulheres são menos aptas a dirigir do que os homens. Mas não é o que as estatísticas apontam. De acordo com o Infosiga SP, que recebe e apura dados baseados nos boletins e registros da Polícia Civil (RDOs) e da Polícia Rodoviária Federal no estado de São Paulo, as mulheres se envolvem menos em acidentes graves de trânsito: em 2017 apenas 6,4% dos condutores envolvidos nesse tipo de acidente foram do sexo feminino, contra 93,1% do sexo masculino.
Segundo o mesmo sistema, em 94% dos acidentes fatais a principal causa é a falha humana. Ou seja, o comportamento do motorista é fator crucial no trânsito, seja homem ou mulher. Não há qualquer diferença biológica que torna os homens mais aptos a dirigir que as mulheres. É basicamente uma questão cultural, que, inclusive, explica por que os homens costumam se envolver em mais acidentes graves.
Para Silvia Lisboa, coordenadora do Movimento Paulista de Segurança no Trânsito, os homens são estimulados a ser mais agressivos e competitivos, enquanto as mulheres têm um senso mais empático e cuidadoso, e isso reflete no comportamento de ambos ao volante. “Basta ver a diferença de reação diante de uma ‘fechada’ ou acidentes. O homem sente-se agredido e tende a revidar. Já a mulher pode até reclamar, mas costuma trazer para si a responsabilidade e assumir o dano”, afirma ela.
Pesquisadores de todo o mundo têm entendido que, devido a fatores socio-culturais, o perfil masculino hoje é de maior agressividade e disputa, inclusive ao conduzir um carro. O que historicamente também é associado aos carros, quando são explorados aspectos como a potência e a aceleração. Isso instiga o espírito de competitividade ao volante, o que já é muito presente no universo masculino.
“Os homens acabam usando o veículo como um objeto de dominação do ambiente e do espaço por meio do uso da velocidade, do torque e da força do motor”, afirma o psicólogo Renan da Cunha Soares Junior, representante do Conselho Federal de Psicologia na Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente no Departamento Nacional de Trânsito.
O machismo inserido na cultura da sociedade também não dá abertura para homens exporem suas emoções. E onde eles podem “descontar” todo o sentimento acumulado? A doutora em psicologia do trânsito Ingrid Neto explica: “Culturalmente um homem não tem espaço para expor suas emoções, e no trânsito ele acredita que pode extrapolar a raiva e a agressividade”.
Então, comentários alegando que as mulheres atrapalham o trânsito por serem mais “lentas”, talvez não sejam exatamente a verdade. Pode ser que elas estejam na velocidade correta, enquanto quem reclama quer andar acima da velocidade permitida. Ou seja, às vezes só se incomoda quem quer infringir as leis de trânsito. Não é para menos que mulheres acabam se envolvendo menos em acidentes. Renan da Cunha comenta: “A questão do machismo traz para a construção social que as mulheres são um problema no trânsito, e o que os números nos mostram que é exatamente o contrário”.
Aí você pode se perguntar: mas o fato de os homens se envolverem mais em acidentes não seria por que existem muito mais condutores do sexo masculino do que feminino? Não necessariamente.
Em todo o mundo já foram realizadas pesquisas com o mesmo número de condutores homens e mulheres, inclusive estudos psicológicos, e o resultado foi o mesmo. O que leva à conclusão de que trata-se de uma característica comportamental do gênero.
Um levantamento do Ministério das Cidades mostra que o número de mulheres habilitadas no Brasil foi de 33,8% em 2015 para 34,4% em 2017. Um aumento leve, porém considerável e, ainda assim, o índice de homens mortos no trânsito de São Paulo, por exemplo, cresceu ainda mais: foi de 77% em 2015 para 81,5% no ano passado, de acordo com dados do Movimento Paulista de Segurança no Trânsito.
Enquanto isso, o cuidado que as mulheres têm com a direção acontece também com a saúde, afinal elas têm maior preocupação consigo mesmas. “As mulheres têm maior tendência em procurar os serviços de saúde, inclusive psicológicos”, afirma a doutora em psicologia do trânsito Ingrid Neto.
Um exemplo disso é a Clínica Escola Cecília Bellina, que atua há 21 anos no tratamento de pessoas com medo de dirigir. De acordo com a neuropsicóloga Helena Santos, que trabalha lá, 80% dos pacientes são mulheres na casa dos 40 anos.
O que nos leva a outro ponto: você já parou para pensar que seus comentários negativos sobre alguém que está começando a dirigir podem desmotivar a pessoa e até gerar o medo dela pegar no volante? Em muitos casos tratados na clínica, existe boicote até por parte dos cônjuges. “Temos o caso de uma cliente que o marido vendeu o carro quando ela começou a dirigir”, afirma Helena.
Parte do motivo que leva eles a agirem assim é, acredite se quiser, insegurança, principalmente preocupação em não ser mais o motorista majoritário da casa. Helena comenta: “Existe uma insegurança por parte dos homens quando suas esposas começam a dirigir, e nós as orientamos a mostrar as vantagens e a necessidade disso”.
Sentindo na pele
Ninguém melhor para dizer como é ser mulher no trânsito do que elas que dirigem todos os dias, não é mesmo? Karoline Dias, Ruth Clemente e outra mulher, que não quis ser identificada, usam o carro diariamente para trabalhar e percebem esse comportamento agressivo.
Para Karoline, é questão de orgulho. “Os homens se acham bem melhores que as mulheres e têm esse pensamento competitivo”, afirma ela. Ruth, que é motorista de aplicativo e educadora física, comenta: “Basta você demorar 2 segundos no farol que já estão buzinando e jogam o carro para cima por qualquer coisa”.
A mulher que pediu para não ser identificada já chegou a ser agredida: “Uma vez um rapaz me fechou e apenas buzinei, para que ele não batesse na minha lateral. Quando o farol abriu, ele veio atrás de mim. Minha reação foi parar em um posto, pois não queria ficar correndo. No momento em que parei, ele veio atrás, me deu três tapas na cara, eu liguei o carro e saí”.
A motorista Karoline Dias também já se envolveu em um acidente: “Foi com um caminhão caçamba. Ele entrou com tudo na minha frente e não tive tempo de frear. Ele nem sentiu e foi embora sem ao menos perguntar se eu estava bem”. Ruth Clemente também bateu seu carro após uma noite no hospital. “O carro era de um taxista que ficou muito nervoso, e só não me bateu porque tinha muita gente”, diz a educadora física.
Como isso pode ser melhorado
O que percebemos é que o comportamento no trânsito deve e pode ser melhorado por todos: os homens, que devem controlar melhor a agressividade já apontada, e as mulheres, que ainda se sentem inseguras e acabam se envolvendo em acidentes.
É bom agregar um pouco da empatia feminina no dia a dia, conduzir o veículo de maneira cuidadosa e lembrar-se sempre de que o seu comportamento pode custar a vida de outra pessoa.
O mais importante para se chegar a tal, é levar ações de prevenção à violência no trânsito para além do cenário governamental e aplicá-las ao dia a dia, seja nas empresas ou nas escolas, levando a educação de tráfego a todos que participam dele, pedestres, ciclistas, motoristas e motociclistas, de todas as idades e gêneros, pois trata-se de um ambiente coletivo. “Cada um deve ter o comportamento preventivo e saber que, fazendo tudo o que deve, mesmo que o outro não faça o mesmo, o acidente não vai acontecer”, acredita o psicólogo Renan Cunha.
Mas, como dizem, educação começa em casa, e com o trânsito não deve ser diferente. “Os pais têm que ser exemplo no trânsito também”, complementa a neuropsicóloga Helena Santos. É importante ter mais empatia e pensar sempre com clareza e paciência. “É preciso se colocar no lugar do outro e pensar na possibilidade de que a pessoa não te deu uma fechada de propósito, ela pode não ter visto, não houve maldade”, conclui.
Além de educar, é necessário reforçar as fiscalizações também. Isso deu certo com a Lei Seca, por exemplo, que completou dez anos em 2018. “Dentro da área de segurança no trânsito, tem os chamados ‘3 Es’, que são: Educação, Engenharia – sinalização adequada – e Esforço Legal – só a legislação não adianta, tem que ter fiscalização também”, acrescenta a doutora em psicologia do trânsito Ingrid Neto.