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Indústria cria combustível sintético para salvar os motores a combustão. Vai funcionar?

Indústria corre para tentar salvar os motores a combustão e cria soluções sintéticas que não prejudicam (mais) o planeta

Indústria corre para tentar salvar os motores a combustão e cria soluções sintéticas que não prejudicam (mais) o planeta – foto: Divulgação

Responda rápido: quando surgiu o primeiro carro elétrico? Aposto que você pensou nas últimas décadas do século 20. E se eu dissesse que esse tipo de propulsão é quase tão antigo quanto os próprios automóveis? Em 1898, muito antes de abrir a própria montadora, Ferdinand Porsche criou um modelo movido a eletricidade que chegava a impressionantes 25 km/h (para a ocasião).

Mas a falta de estrutura à época e a pouca capacidade das baterias fizeram com que os elétricos perdessem a competição para os motores a combustão, que se tornaram a tecnologia dominante até hoje. O resto é história.

Há 125 anos, Ferdinand Porsche criou um carro elétrico. E ele não foi o único. Mas os modelos a bateria da época perderam a disputa para os motores a combustão — Foto: Divulgação

Há 125 anos, Ferdinand Porsche criou um carro elétrico. E ele não foi o único. Mas os modelos a bateria da época perderam a disputa para os motores a combustão — Foto: Divulgação

Mais de 100 anos depois, estamos prestes a viver uma inversão de papéis. Diversos países (com mais ou menos rigor em relação a prazos) já anunciaram proibições aos poluentes veículos a gasolina ou diesel. Até mesmo os híbridos serão impedidos de rodar.

Ao menos duas dezenas de fabricantes pegaram carona e já disseram que, a partir de determinado ano, só lançarão modelos com baterias e motores elétricos. A maior parte delas foca em 2030 como a virada de chave na eletrificação completa de seus veículos novos.

Mas há aquelas que resistem e começam a trabalhar para mostrar que carros a combustão podem combinar com sustentabilidade e redução na pegada de carbono, para a alegria dos fanáticos pelos motores que roncam alto e queimam gasolina.

“Os combustíveis sintéticos viabilizam toda uma cadeia produtiva de motores a combustão, tanques e sofisticação do pacote híbrido sem demandar uma sobrecarga de energia elétrica. Mas o grande desafio dos países é não se amarrar a uma única solução, deixando os marcos legais abertos para qualquer tecnologia que venha a resolver os nossos problemas, mantendo uma mobilidade ativa, sustentável, que não gere danos ao meio ambiente, mas que não seja inviável em nível de custos”, disse Erwin Franieck, diretor-presidente do Instituto SAE4Mobility.

Até pouco tempo atrás, parecia que as maiores interessadas na manutenção de motores a combustão eram as fabricantes de carros superesportivos, como a Ferrari e a Porsche. Recentemente, porém, a Stellantis, dona de marcas como FiatJeepPeugeot e Citroën, anunciou o início dos testes com uma gasolina que reduz em até 90% as emissões de CO2 em 28 famílias de motores.

Mas é a Porsche que parece ter tomado a dianteira nessa corrida. A fabricante alemã é uma das investidoras da Highly Innovative Fuels, que inaugurou em dezembro do ano passado, no Chile, uma usina para produção de gasolina sintética.

Por enquanto, a produção é reduzida. São apenas 130 mil litros por ano, suficientes para encher um tanque de 2,6 mil carros pequenos. Mas as ambições são bem maiores: chegar aos 550 milhões de litros anuais no local a partir de 2026, e também inaugurar outras unidades ao redor do mundo.

A receita para fazer combustível sintético usa dois ingredientes: dióxido de carbono (CO2) e água (H2O). Antes de serem combinados, a água precisa passar pela eletrólise, em que as moléculas de hidrogênio e oxigênio são separadas e o oxigênio é desprezado.

Já o hidrogênio restante é combinado com o CO2 capturado da atmosfera e previamente filtrado. O resultado é o metanol, que ainda passa por um catalisador que vai dar origem ao combustível desejado — diesel e gasolina são dois exemplos.

Os veículos não precisam de qualquer modificação para usar o combustível, já que esse produto tem as mesmas propriedades de queima daqueles derivados de petróleo. E essa é a grande sacada: não há nada de origem fóssil na composição.

E como o CO2 usado na produção já foi capturado da atmosfera, não há liberação de gases no planeta. Contudo, duas grandes questões envolvem a produção dos combustíveis sintéticos. “A dificuldade é que o custo atual para transformar CO2 e hidrogênio em combustível é muito alto — cerca de quatro vezes mais do que o de combustível derivado de petróleo”, afirma Franieck.

A segunda questão é a grande demanda de energia elétrica exigida na produção. Nesse caso, não adianta fazer um combustível sintético usando eletricidade vinda de fontes não renováveis. Por isso a usina de Haru Oni, responsável pela gasolina verde da Porsche, usa grandes turbinas eólicas.

Mas quando eu vou poder abastecer meu carro com gasolina sintética?

Ainda não há uma resposta a essa pergunta. Por enquanto, a Porsche usa todo o combustível produzido na usina do Chile nos carros de corrida da categoria Mobil 1 Supercup. E o festival de carros antigos de Goodwood (Inglaterra), um dos mais tradicionais do mundo, anunciou que terá uma corrida de clássicos abastecidos com gasolina sintética com 30 exemplares de Porsche 911 produzidos até 1966.

É possível que a gasolina sintética nem fique disponível em grande escala para o consumidor de carros de passeio no Brasil — Foto: Getty Images

É possível que a gasolina sintética nem fique disponível em grande escala para o consumidor de carros de passeio no Brasil — Foto: Getty Images

No entanto, não é só no Chile nem só a Porsche que trabalham essa ideia. No Brasil, a Petrobras planeja investir US$ 600 milhões até 2027 em combustíveis sintéticos. “O desenvolvimento de gasolina é menos evidente, porque há outras opções sendo consideradas, como o etanol. Por isso, a transição mais sensível é no querosene de aviação, no diesel e nos combustíveis marítimos”, disse Ricardo Rodrigues da Cunha Pinto, consultor sênior da estatal.

Por causa do etanol, que é praticamente neutro em carbono e pode ser usado como matriz energética limpa, é possível que a gasolina sintética nem sequer esteja disponível em grande escala para o consumidor de carros de passeio no Brasil. Mas as versões sintéticas e limpas de diesel e querosene de aviação devem ser alternativas para veículos comerciais, aeronaves e embarcações.

“Fizemos um teste com óleo combustível marítimo com conteúdo renovável. Testamos em um navio da Transpetro e tivemos resultados bons. O foco é na redução de carbono, não importa de onde ela venha”, completa Cunha Pinto.

No fim das contas, a indústria trabalha em diversas frentes para a descarbonização em praticamente todos os meios de transporte. E, ao contrário dos nossos antepassados, parece que vamos conseguir alcançar esse objetivo usando mais de um combustível ou matriz energética. O planeta agradece.

Como nasce a gasolina sintética?

Porsche é uma das investidoras da HIF, que recentemente inaugurou uma usina de e-fuel no sul do Chile; processo de produção de combustíveis sintéticos é conhecido há décadas, mas ainda é caro e não alcançou a escala para baixar custos.

Processo de nascimento da gasolina sintética começa a partir de CO2 capturado — Foto: Autoesporte

Processo de nascimento da gasolina sintética começa a partir de CO2 capturado — Foto: Autoesporte

1. CO2: Captura
CO2 é capturado da atmosfera. Gases já emitidos por indústrias podem ser usados como matéria-prima

2. Energia limpa + H20 + hidrogênio: Produção de hidrogênio limpo
Usando o CO2 capturado da atmosfera mais a água (que já passou por um processo de eletrólise para separar hidrogênio e oxigênio), surge o hidrocarboneto. Esse processo químico exige muita energia. Por isso, usinas como a de Haru Oni, no Chile, utilizam eletricidade produzida de forma sustentável por turbinas eólicas.

3. Fischer–Tropsch: Moléculas
O passo seguinte é a chamada síntese de Fischer-Tropsch, onde é extraído o metanol. Esse líquido ainda precisa passar por um processo para a água ser extraída da mistura.

4. Da usina para as bombas: Further processing
Após a extração do metanol em um catalisador, pode-se escolher qual combustível será gerado: gasolina e diesel são algumas opções. Daí, é só transportar para as bombas.

5. Outras aplicações: Nas águas e nos céus
Além da gasolina, podem ser feitos diesel e querosene de aviação sintéticos. A Petrobras, por exemplo, já inaugurou usinas para a produção desses combustíveis e está testando um diesel com maior porcentagem de composto renovável. Até 2027 serão investidos US$ 600 milhões no desenvolvimento de novos combustíveis mais sustentáveis.

Olho no óleo
Navios e aviões ainda dependem muito de combustíveis fósseis. Por isso, há quem aposte nos combustíveis sintéticos nessas aplicações para acelerar a descarbonização.

[Auto Esporte]